sábado, julho 10, 2004

Crise partidocrática - 3

Independentemente da decisão concreta tomada pelo Presidente da República, e a esta hora já conhecida de todos, acima de tudo, parece-me importante realçar que no sistema constitucional português vigente não existe qualquer eleição do Governo, mas antes do Parlamento, pelo que se deve afastar a ideia de que as vicissitudes que afectem aquele primeiro são extensíveis, sem mais, a este último. Assim, a legitimidade constitucional de um Governo decorre da sua aprovação pelo Parlamento devidamente empossado pelo corpo eleitoral para um mandato quadrienal, sendo igualmente legítimos todos os Governos que nesse período tal Parlamento formalize.

Desta maneira, como já referi anteriormente, urge pôr cobro à figura falaciosa do candidato a Primeiro-Ministro, criada em boa parte por efeito da ignorância nefasta da comunicação social: embora o Presidente da República no momento de convidar uma determinada personalidade para formar um Governo não possa deixar de ponderar os resultados eleitorais, a verdade é que no ordenamento jurídico português nada impõe que essa figura tenha forçosamente de ser o líder do partido mais votado.

Outrossim, sendo um Parlamento - e os governos por ele sancionados - mandatado para o exercício da sua actividade ao longo de uma legislatura de quatro anos, o mesmo não perde qualquer legitimidade pelo facto de, entrementes, em actos eleitorais realizados com finalidades distintas da escolha dos deputados da Nação, suceder conjunturalmente formar-se uma maioria política distinta daquela que existe nesse órgão de soberania. Supor o contrário seria cair num perigoso plebiscitarismo, o qual, para além de gerar uma instabilidade absolutamente insustentável em que apenas conseguiriam medrar perigosos demagogos, frustraria a consecução de qualquer política com resultados visíveis tão-só a médio ou longo prazo. Os resultados de eleições ocorridas a meio de legislaturas podem certamente servir para os analistas políticos extraírem ilações sobre a popularidade, ou não, das políticas levadas a cabo por uma determinada maioria política, mas não retiram a tal maioria qualquer legitimidade. Pensar diversamente seria perverter o sistema constitucional e impedir a avaliação global de uma actuação política em todas as suas componentes no momento adequado para o efeito, ou seja, o término da legislatura.

Finalmente, no caso concreto que o País acabou de viver, sem olvidar o que já escrevi no último parágrafo do meu anterior artigo sobre esta matéria, retira-se que o Presidente da República não quis comprometer-se em demasia com a liderança socialista, entretanto demissionária, de Ferro Rodrigues e ficar associado a vicissitudes futuras - eleitorais ou não - que esta pudesse sofrer. Está assim aberto o caminho para José Sócrates - apadrinhado por quem tem realmente influência na aldeia global, não é Buiça? - poder avançar para o cargo que tanto almeja; em paralelo, por acréscimo e porque Deus escreve direito por linhas tortas, ficamos livres do espectro terrífico de a extrema-esquerda de matriz albanesa alcandorar-se ao poder e apanharmos em cima com um PREC fora de tempo. Ainda não é desta vez que as mocas de Rio Maior vão deixar de gozar a sua merecida reforma…

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