terça-feira, abril 26, 2011

Páscoa com Vieira - IV e último


Pois que havemos de fazer no dia da Ressurreição de Cristo? Entristecer-nos? Tremer? Temer? Encerrar-nos? Sepultar-nos? Meter-nos vivos na sepultura, donde Cristo saiu? A esta pergunta não se pode responder do púlpito; do confessionário sim. Se estais em estado de pecado mortal, temei e tremei, e cause-vos grande tristeza a ressurreição; mas se estais em graça de Deus, e tendes propósitos firmes de a conservar, alegrai-vos, ponde a vossa alma e o vosso coração muito de festa, e não temais. Assim o disse o anjo às Marias: Nolite expavescere. Notai. Quando o anjo desceu do céu, e revolveu a pedra da sepultura, ficaram assombrados todos os guardas do Sepulcro, e o anjo não lhes disse: Nolite expavescere; e às Marias sim. E por que diz às Marias, que não o temam; e por que não diz o mesmo aos soldados? Porque as Marias iam buscar a Cristo ao Sepulcro para o perseguir, e para o afrontar. E aqueles que perseguem e que ofendem a Cristo, esses é bem que temam na Ressurreição; porém, aqueles que o amam, e que o servem, esses não têm que temer: Nolite expavescere. Tema Pilatos, que o condenou: tema Herodes, que o afrontou: tema Judas, que o vendeu: tema Caifás, que o blasfemou: e temam todos o que o perseguiram e o crucificaram, quando sabem que ele ressuscitou, e que eles também hão-de ressuscitar. Porém a Madalena e as outras Marias: a Madalena e as outras Marias, que o buscam e que o servem, que se não podem apartar dele, essas não têm que temer: Nolite expavescere. Não é esta razão menos que a do anjo: Nolite expavescere; Jesum quaeritis Nazarenum. Se vós buscais a Jesus Nazareno, não temais. A energia destas palavras ainda está mais clara em São Mateus , que neste passo é comentador de São Marcos: Nolite timere vos; scio enim quod Jesum, qui crucifixus est, quaeritis. Não temais vós: (notai muito a palavra vós) vós que buscais a Jesus, não temais; porém aqueles que não o buscam: aqueles que não o amam: aqueles que o ofendem, esses temam a sua Ressurreição. A Ressurreição para eles será morte e tormento eterno, assim como para vós será eterna vida, e eterna glória. Os maus porque hão-de ressuscitar mal, têm razão de temer, mas os bons, que hão-de ressuscitar bem, não têm para temer razão alguma.

E que grande alegria, e que grande consolação é para um verdadeiro cristão na festa da Ressurreição de Cristo considerar que também ele há-de algum dia ressuscitar! Que grande seria a alegria de Madalena, quando visse o seu irmão Lázaro ressuscitado! A nossa alma é a nossa Madalena: o nosso corpo é o nosso Lázaro. Que alegria será a de uma alma considerar agora e ver depois este seu corpo, este seu companheiro ressuscitado! Ainda esta comparação não explica. Que alegria seria a da Virgem Senhora, quando hoje visse ressuscitado em tanta formosura e glória a seu benditíssimo Filho! Esta comparação é a própria. A Madalena viu seu irmão ressuscitado, mas ressuscitado para tornar a morrer. A Senhora viu ressuscitado a seu Filho, mas para não morrer jamais: Mors illi ultra non domina itur. A Madalena viu a seu irmão ressuscitado, mas em corpo passível, como o que dantes tinha. A Senhora viu ressuscitado a seu Filho em corpo imortal, e impassível, e ornado com todos os quatro dotes gloriosos.

Padre António Vieira, no “Sermão da Ressurreição de Cristo”, pregado na Matriz da cidade de Belém do Pará, no ano de 1658

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